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Eles nunca foram campeões, Parte 3: Gilles Villeneuve, o showman

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Fotos: Reprodução
Gilles Villeneuve, piloto canadense de Fórmula 1

Esta é minha terceira coluna da série em comemoração aos 60 anos da Fórmula 1, sobre os pilotos que mais se destacaram, mas nunca chegaram a conquistar títulos na categoria.

Preciso confessar que este é o texto mais difícil que já escrevi sobre Fórmula 1. Falar sobre Gilles Villeneuve é sempre difícil, porque não dá para colocar numa narrativa só boa parte dos episódios dos quais este baixinho canadense foi protagonista. Dotado de uma perícia e agressividade incomparáveis, Gilles ainda continua conquistando uma legião de fãs, mesmo 28 anos após sua morte.

Nasceu em 18 de janeiro de 1950, no Quebec, filho de um afinador de pianos. Desde cedo, teve uma carreira de brilhante no snowmobile, mas só estreou no automobilismo aos 25 anos. Em 76, foi campeão da Formula Atlantic Americana, categoria onde repetiria o título em 77, no Canadá. No mesmo ano, num circuito da cidade de Trois Riviere, foi descoberto pelo recém campeão de Fórmula 1 James Hunt, que o convidou para disputar o GP da Inglaterra com um terceiro carro alugado da McLaren – aluguel o qual pagou vendendo a própria casa. Passou a morar num trailer, com a esposa Johann e os dois filhos, Jacques e Melanie.

No mítico circuito de Silverstone, no qual nunca havia guiado, Villeneuve largou em 9º (de 32 que tentaram se classificar) com um velho McLaren M-23, que deu o título de 1974 a Emerson Fittipaldi. Com problemas mecânicos, terminou o GP em 11º, mas com uma atuação que lhe rendeu um convite da Ferrari para ser companheiro do argentino Carlos Reutmann.

Na Scuderia de Maranello, Gilles viveu altos e baixos, mas seu estilo de pilotagem desmedido caiu no gosto dos tifosi, os fanáticos torcedores da Ferrari. Em 79, ao lado de Jody Scheckter (campeão antecipado), conquistou o vice-campeonato e contribuiu para o título de Construtores do time.


Duelo emocionante entre Gilles Villeneuve e René Arnoux, na França

E foi no GP da França de 1979, no circuito de Dijon, contra René Arnoux, que Gilles Villeneuve protagonizou o que muitos dizem ser o maior duelo da história da Fórmula 1. Em casa, a Renault caminhava para uma dobradinha, mas não contava com o destemido Villeneuve para atrapalhar a festa. O que se viu ali, naquelas voltas finais, foi uma disputa que emociona qualquer fã do esporte a motor. Jean-Pierre Jabouille venceu a prova – a primeira de um carro com motor turbo, o RS10 –, mas quem prestou atenção nisso? Todos os olhos estavam voltados para quem levaria o 2º lugar.

 

Em 80, o próprio Enzo Ferrari, que chamava Gilles de “meu filho espiritual”, garantiu que o canadense recebesse total atenção, mas a equipe não conseguiu construir um carro competitivo. Aliás, naquele ano, a Ferrari só marcou decepcionantes oito pontos no campeonato. Só em 1981, com motores turbo, que o time vermelho voltaria a vencer. Duas vitórias, em Mônaco e Jarama (Espanha), ambas de Gilles. Porém, oito quebras fizeram o piloto amargurar um 7º lugar naquele campeonato.

San Marino-1982: O último GP, o clima pesado na equipe – O ano de 1982 começou com uma disputa de poder entre FOCA, a associação de construtores, e FISA, braço esportivo da FIA, o que acabou quase provocando um racha na categoria – lembram de algo recente parecido? A guerra entre as duas entidades desencadeou um boicote em massa (Brabham, McLaren, Williams e Lotus) do GP de San Marino, em Imola.

Villeneuve, tido como favorito ao título, liderava a prova, após abandono das duas Renault. Nas voltas finais, foi ultrapassado pelo companheiro Didier Pironi, ferindo um acordo de equipe de não haver brigas internas em fim de corridas. A manobra foi o estopim de uma crise interna, com boatos dando como certa a ida de Gilles para a Williams, em 1983. A partir dali, o piloto estava determinado a superar Pironi, como revanche.

Morte aos 32 anos – Na prova seguinte, no circuito de Zolder (GP da Bélgica), enquanto tentava superar o tempo de classificação do companheiro de equipe, Gilles foi surpreendido pelo March de Jochen Mass, que voltava lento para os boxes. Após um toque, a Ferrari nº 27 capotou diversas vezes, partindo-se ao meio e atirando Villeneuve vários metros a diante, contra um alambrado. Apesar dos paramédicos relatarem que ele já não respirava, ao ser atendido, sua morte só foi declarada horas depois, num hospital local.


Não vou linkar aqui, mas, para os mais mórbidos, o vídeo do acidente está na web

A morte de Gilles Villeneuve comoveu o automobilismo, mesmo se tratando de um esporte não muito seguro à época. Um choque que só pôde ser comparado com a morte de outro grande e carismático piloto, 12 anos depois: Ayrton Senna – a última de um competidor de F1.

Hoje, o circuito de Montreal, que recebe o GP do Canadá, carrega o seu nome e uma singela homenagem dos saudosistas ao piloto, que, para muitos, foi a maior expressão de coragem e arrojo da Fórmula 1.

Jacques e a herança – A morte de Gilles não foi suficiente para apagar o desejo por velocidade que ele imputou nos genes da família. Em 1997, seu filho, Jacques Villeneuve – nome dado em homenagem ao irmão, conquistou o título da Fórmula 1, pilotando pela Williams.

Jacques, o irmão, chegou a disputar duas corridas na F-1 e um campeonato de F-Indy, sem conseguir grandes resultados.


Imagem épica da família Villeneuve

Há outras tantas histórias sobre Villeneuve para contar, que não caberiam aqui, como o relato do médico Sid Watkins, no seu livro “Viver nos Limites”, sobre uma carona que pegou com o piloto no final de semana de um GP do Brasil:

"Tive o azar de encontrar Gilles na entrada do hotel. (…) Fui me sentar no banco de trás. Entretanto, a sua esposa insistiu que eu me sentasse à frente. Gilles num carro de estrada era assustador e quando me virei para falar com Johann, ela havia sumido, deitada no chão. Falou que isso era normal e eu logo descobri o motivo.

Villeneuve acreditava na ‘teoria do hiato’ – que existia sempre um espaço no qual ele podia se enfiar para se livrar de um acidente. Ele ignorava todos os sinais vermelhos e gentilmente batia em carros estacionados ou postes, falando o percurso inteiro. Quando chegamos ao circuito, ele ainda me perguntou se gostaria de uma carona para voltar!".

*Belenos é acadêmico de Comunicação Social, fã de Fórmula 1 da era pós-Senna e já não perde uma corrida desde Mônaco-1999.

 

 

 

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