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Foz, depois de anos de escuridão, tem uma verdadeira cena teatral

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Cresci ouvindo que Foz do Iguaçu “não tem vocação para o teatro” ou “o movimento teatral da cidade é muito fraco”. Apesar de nunca querer acreditar nisso, muitas vezes tive que concordar com essas máximas, principalmente até 2010, quando algo começou a mudar.

Até o presente ano, pouco havia sido feito: do meio para o final da década de 90, embriões de festivais e grupos foram plantados, mas nunca passaram do status amador e sempre zelaram pela quantidade e pela capacidade de uma, justa, porém insuficiente, inserção de jovens em atividades culturais. Nunca se falou em pesquisa estética e, principalmente, em profissionalização da categoria. Vide, por exemplo, quesitos como qualidade dos trabalhos, nível de inovação e número de atores, atrizes e encenadores com registro ou formação.

Na mesma linha, o poder público nunca deu a devida atenção ao tema. Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos com a aprovação do Sistema Municipal de Cultura e da vinda dos Pontos de Cultura para a cidade, ainda faltam recursos, investimentos e infraestrutura adequada. Nunca se andou na questão do Teatro Municipal e o único teatro público da cidade – o Barracão – é um assentamento particular em local público. Eu mesmo não consigo utilizar o espaço há anos.

Apesar disso, a produção da cidade avançou por dois fatores que considero revolucionários: a vinda da Unila para Foz e a implantação de uma turma permanente do Núcleo de Dramaturgia SESI na cidade.

A Unila ergueu o nível do debate. Substituindo a deprimente guerra entre grupos antagônicos e sem produção expressiva – ruim para ser mais exato – por uma pesquisa consistente, proposta por professores universitários e aplicadas por – e em – alunos dos mais diversos cursos. Hoje, a Universidade Federal é, sem dúvida, o espaço acadêmico mais rico e efervescente da cidade e, em poucos anos, será orientadora de políticas públicas e da produção cultural de Foz.

O Núcleo de Dramaturgia, espaço profano em relação à academia e ao culto ao passado, cumpre o papel de discutir as novas concepções de arte e estética na criação de textos e encenações para teatro. Do Núcleo já saíram grandes obras e autores, renovando o rol os envolvidos com teatro na cidade. Se antes tínhamos meia dúzia de anódicos e anacrônicos perambulando e repetindo produções – muitas delas sem inovação e sem o pagamento sagrado dos direitos autorais.

Hoje, temos grandes expoentes para o futuro como os dramaturgos (e dramaturgas) Jeane Hanauer, Sidclei Nagasawa, Garon Piceli, Mariana Serafini, Júlio Carvalho, Gabriela Keller e Natacha Pastore (esta última, autora da peça com que estou em cartaz atualmente, em São Paulo), dentre outros e atores (e também dramaturgos) de talento comprovado e incontestável como Guilherme Cardim e Gabriel Pasini. Novos nomes, mas ativos e atuantes no cenário e na produção da cidade. Uma verdadeira revolução, ocorrida em pouco mais de dois anos. E quem diz isso não sou apenas eu, mas pessoas de nome e trabalhos expressivos no Brasil e no mundo.

Paralelo a isso, esses autores/atores são ativistas do teatro.

Um exemplo foi a ação corajosa de Guilherme Cardim e Natacha Pastore, acompanhados de outros dramaturgos, que, na última sexta, ao saber do cancelamento da – única – atividade de dramaturgia na Feira do Livro, tomaram os microfones e o palco e, mesmo frente à resistência dos organizadores, não permitiram que, depois de três anos de intensa discussão sobre dramaturgia e teatro no evento, a dramaturgia ficasse sem representação. Fizeram uma bela fala e leitura de novas obras, do novo teatro, e ajudaram, mais uma vez, a elevar o nível e a dignidade do debate. Mostraram claramente, mais uma vez, a antítese entre o novo e o velho, entre o inventado e o repetido.

O resultado de todo esse processo só será percebido daqui a uma ou duas décadas, quando o nome de Foz do Iguaçu estiver atrelado a uma produção sólida e consistente e esses talentos da atualidade ou representem a cidade em grandes debates nacionais (pelo trabalho estético singular) ou estejam à frente de nossa política cultural (pela garra modificadora). Isto irá permitir que novos Guilhermes e Natachas surjam e possam, novamente, revolucionar a produção e enterrar, de uma vez por todas, os que nunca acreditaram em nossa cidade.

 


 

 * Luiz Henrique Dias é membro do Núcleo de Dramaturgia SESI e encenador da Cia Experiencial de Teatro de São Paulo. Leia mais em www.luizhenriquedias.com.br ou siga ele no Twitter: @luizhdias

 

 

 

 

A opinião emitida pelo colunista não representa o posicionamento deste veículo de comunicação

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