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A Feira da JK e o descaso

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Mas ela já não é mais como antes.

 

Em 2007, descobri aquela linda feira. De imediato resolvi realizar um grande sonho: ter uma banca de livros usados! Assim fiz: procurei a Fundação Cultural, organizadora do projeto, e colhi as informações sobre como participar. Na época, dois funcionários da Fundação ficavam por lá a manhã toda, organizando e ajudando. Fui até o local e recebi orientações como, por exemplo, a posição exata para se colocar minha barraca. Explicaram-me, inclusive, que não era permitida a venda de produtos “importados”.

 

Em seguida, paguei uma taxa à prefeitura para tirar um alvará de “ambulante”, que incluía até fotografia de minha barraca. Feitos os trâmites, algo que durou aproximadamente um mês, pude, finalmente, ter meu espaço e vender, além de livros, fotografias e poemas.

 

Foto: Garon Piceli / Clickfoz
Feirinha Jk - Foz do Iguaçu
Nunca obtive lucro, pelo contrário, gastava na feira, comendo, mais do que vendia. Todos os domingos, porém, eu estava lá: feliz, falador e participativo

 

Quase fritando no sol. Mas feliz!

 

 A feira tinha música ao vivo, palhaço, banda do município e, até, um DJ.

 

Era muito divertido estar ali.

 

Todo o processo não se limitava apenas à participação aos domingos. Procurei a Fundação Cultural inúmeras vezes para mostrar uma proposta para diminuir a incidência solar e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de fluxo da feira. Como não fui atendido, tentei participar de algumas reuniões entre feirantes e gestores públicos, a fim de poder colocar meus pontos de vista em pauta.

 

Nunca vi resultados e, como muitos de minha época, acabei desistindo da feira.

 

Mas não me entreguei por completo. Frequento o local sempre que posso, prestigio a praça de alimentação, as bancas, os pães caseiros, o pó de café orgânico e compro livros.

 

Mas a Fundação Cultural sumiu de lá e a feira virou um descaso só.

 

Pra começar, os fiscais do FozTrans não ficam no local a manhã toda, como faziam antes. Durante a noite, um caminhão passa deixando os cavaletes que serão utilizados para fechar o trânsito na pista central da JK e os próprios feirantes, por volta das 06h30 da manhã, fecham a rua e organizam a feira.

 

Isso gerou uma tensão quanto ao uso do espaço. Algumas barracas “consolidadas”, como as de pastel, tem lugar cativo. Os outros feirantes precisam chegar cedo para não perderem o lugar para aventureiros e vendedores de DVDs e Cds piratas.

 

Não há ninguém da Fundação Cultural por lá, pela manhã.

 

Eu, pelo menos, não vejo ninguém identificado como era antes.

 

Não há mais música, nem DJ, nem palhaço.

 

Não há, ainda, banheiro público ou ecológico.

 

Creio que passe, todos os domingos, cerca de mil a mil e quinhentas pessoas por lá. Não há estrutura. Não há pia para os feirantes lavarem as mãos. Não há higiene, exceto a improvisada dentro das barracas.

 

A terceira pista virou estacionamento, controlado por flanelinhas. Crianças menores de dez anos, orientadas pelos pais, cuidam dos carros e já aprenderam a ameaçar os motoristas que não “pagam” pela vaga. Chamei a PM para ver um menino desses e ouvi um “não adianta” do policial.

 

Essas crianças passam de um lado para o outro da rua e, além de estarem trabalhando no sol, cuidando de carros e coagindo cidadãos, ainda correm o risco de ser atropeladas pelos ônibus que passam por ali, numa velocidade incompatível com a quantidade de pessoas circulando pelo espaço, sem respeitar pedestres e carros em manobra.

 

Nós sabemos como esses motoristas de ônibus, em sua maioria, são abusados e não seguem regras de direção defensiva e boa conduta no trânsito urbano.

 

A Feira da JK, que deveria ser uma opção de lazer às famílias, inclusive para uma caminhada matinal, beneficiando a saúde, virou um praça de produtos importados e comidas. Isso prejudica não só a saúde, mas os outros feirantes. Sem estrutura adequada, o tempo de permanência do visitante é baixo. Isso significa que as pessoas só vão até lá para comer pastel e comprar ovos ou alface.

 

E só.

 

A maioria não olha as bancas, não compra artesanato. Não quer ficar mais de quinze minutos no sol, sem banheiro, sem segurança.

 

Sofre também aquele produtor rural que tenta aumentar a renda familiar com a venda de queijos, salames, pães e bolachas.

 

Os Secretários que circulam pelo local aos domingos deveriam ter vergonha do que veem.

 

Até os turistas sumiram.

 

Faltam mais guardas-municipais, conselho tutelar, polícia militar, FozTrans, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Indústria e Comércio, Secretaria de Turismo, Receita Federal, Fundação Cultural e outros setores do poder público para orientar, fomentar e fazer com que a feira se torne um orgulho para a cidade.

 

A feira deve ser um ponto de encontro dos iguaçuenses e mais uma referência turística, uma opção para o visitante passear, fazer compras e deixar divisas para os pequenos artesãos e produtores. Isso é dar cidadania e, ao mesmo tempo, distribuir renda.

 

Enquanto pensarmos só no turismo que beneficia os grandes, as elites, vamos continuar sendo uma cidade de enormes belezas e alma pequena. Bem pequena.

 

 

 


 
 

*Luiz Henrique Dias é dramaturgo, comunista e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Ele escreve todas as quartas nesse espaço, onde propõe uma discussão acerca da cidade. Você pode ler mais no www.blogdoluiz.com.br ou seguir ele no twitter @luizhdias.

 

 

 

 

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