No dia em que o professor Marcos entrou na sala – era uma sexta-feira -, na primeira semana se aula, estávamos ansiosos para conhecer o último professor da equipe.
Tocou o sinal da última aula. Apreensão total da turma. Creio que nenhum de nós ousou se levantar para ir ao banheiro ou tomar água. Todos queriam conhecer o cara que nos ensinaria geografia durante todo o ano.
Eis ele na porta.
Alguns colegas trocaram olhares confusos. Outros começaram a soltar risadas de deboche. Os poucos segundos necessários para levar o professor da porta da sala até o tablado foram marcados por uma sequência de manifestações pouco prováveis a um minuto.
Ele usava uma calça bem justa e uma bota extremamente chamativa, eu diria. Sua camisa era apertada, seu relógio, feminino e as unhas visivelmente bem cuidadas. A forma de falar não esconderia nada – absolutamente nada – de ninguém.
O professor Marcos, que colocou o microfone em torno da cabeça frente aos olhares maldosos e preconceituosos, era homossexual claramente assumido. Estava pouco preocupado com a forma com que as pessoas julgariam suas vestes e com coragem para subir ali e encarar trezentos adolescentes e, como tudo no universo escolar, seus pais. Uma turma de pré-vestibular é para poucos corajosos.
E era negro.
Não pardo. Negro.
Estava frente a uma turma de adolescentes de classe média, sem negros e na qual os poucos homossexuais se escondiam numa máscara absurda.
Ele se apresentou, não comentou os olhares, não fez ameaças de espécie alguma. Agiu com toda a classe e respeito que merecia ter recebido – e não recebeu – de nós. Não abaixou a cabeça para o preconceito. Deu sua aula com toda a qualidade que só ele – hoje sei – tinha e nos ensinou sobre o mundo e sobre a geografia. Aprendemos sobre política, conflitos, discrepâncias e intolerâncias de nosso planeta.
Ele nos falou do tempo – “do maldito tempo” – que guia os homens e os liquida.
Ensinou-nos a origem dos ventos, das correntes, das marés, dos dias e noites. Mostrou-nos o sul da Terra e o norte da vida e, numa última sexta-feira, antes de recebermos a triste notícia de sua morte, nos falou, talvez pela primeira vez, sobre o preconceito e sobre a importância de combater qualquer tipo de segmentação, seja qual for.
Ali já éramos todos seus alunos, apaixonados por tudo aquilo que ele nos representava, e ouvimos, aprendemos, construímos o espírito crítico tanto defendido por ele.
Se ele era homossexual e negro ou se recebesse qualquer outra classificação dessas que usam por aí, não importava. Não importa. As escolhas de cada um devem ser respeitadas, aceitas, apreciadas. Assim como os direitos garantidos. Afinal, somos todos iguais.