Toca o telefone.
Atendo.
Um convite: “olá, nos disseram que você é dramaturgo e tem uma companhia de teatro contemporâneo aí em Foz do Iguaçu. Como estamos propondo um debate sobre arte e cultura, gostaríamos de uma palestra sua, para professores, sobre o teatro”.
Uma honra, confesso.
Depois de 14 anos fazendo teatro, poder, como tenho feito nos últimos meses, mesmo que ainda timidamente, falar sobre arte, com professores, ou dar uma palestra sobre o tema, é deveras motivador.
O convite partiu da Secretaria de Educação e Cultura de uma pequena cidade, a pouco mais de 150 quilômetros de Foz. Seria uma viagem curta, em um único dia, saindo pela manhã e voltando à noite. Muito tranquilo.
Acertamos um cachê simbólico, mais pela vontade de contribuir do que pela questão financeira.
Sem falar que eu perderia minha manhã de trabalho aqui na cidade e a aula do Núcleo de Dramaturgia do SESI, ao final da tarde, em Curitiba. Mas tudo bem…
Conforme combinado, cheguei ao destino no dia e hora certos. Passei uma tarde agradabilíssima com professores de ensinos fundamental e médio. Falamos de literatura, teatro, arte. Trocamos diversas experiências. Fizemos leituras, análises e debates. Foi uma das tardes mais proveitosas – e bonitas – de minha vida.
Mas, prezado leitor desta humilde coluna semanal, perdoe-me pelo pessimismo, mas preciso expressar algo: nem tudo pode ser tão bom na vida.
Ao final dos trabalhos, já pronto para voltar a Foz, o funcionário da prefeitura da “tal cidade” que me acompanhava disse precisar de mim mais quinze minutos, pois “a Secretária Municipal de Educação e Cultura quer conhecê-lo”. Apesar de não gostar muito dessas excentricidades, aceitei ir até lá.
Parei na porta do prédio e foram chamar a dita cuja. Lá veio ela, sorridente. Mal sabia eu que, por trás daquele sorriso todo, havia mais um exemplar típico da personificação do que há de mais nefasto na política brasileira.
Ela parou em minha frente e começou: “quem é? Ah, é ele.” – olhou meu tipo – “nossa” – sorrindo, ainda – “ pelo seu currículo, pensei que fosse loiro”.
Silêncio.
Olhei para as pessoas à minha volta (funcionário, telefonistas, atendentes, etc) e estava tudo bem. Ninguém xingou aquela mulher. Ninguém deu um tapa, ou voz de prisão, a ela. Ninguém agiu de outra forma senão a mais natural possível. Um horror.
E eu pasmo.
Ela ainda quis puxar uma conversa, mas eu me apressei para ir embora dali para sempre. Para nunca mais voltar. E o fiz.
Talvez o mais assustador não seja pensar no preconceito. Pois achar que este não existe é, no mínimo, ingenuidade. O mais assustador não é ver os rostos das pessoas ao redor da cena descrita tendo coragem estar ali e serem coniventes com aquilo tudo ou tentar entender a falta de reação que tive por não esperar, jamais, um comentário desses em uma atividade em que sou convidado a falar ao público. O mais assustador não é pensar no pré-julgamento que liga um currículo a um fenótipo qualquer.
O mais assustador, caro leitor, é constatar que uma pessoa tão grossa, tão insensata e tão tacanha seja responsável pela educação das crianças de uma cidade inteira.

** Luiz Henrique Dias é dramaturgo, diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Leia mais em luizhenriquedias.com.br ou siga ele no twitter: @LuizHDias