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O caso do cara de Madagascar

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Pois é, dia desses eu vinha caminhando pela Vergueiro quando fui abordado por um cidadão. Prontamente ele tratou de dizer que não se tratava de um assalto ou algo parecido – apesar de eu realmente não estar preocupado ou achando ser aquela abordagem um assalto – e começou a contar uma história. Ele não falava muito bem o português e me perguntou se poderia falar em inglês. Disse que sim, mas pedi para que fosse devagar, uma vez que meu inglês é deveras rudimentar. E ele atendeu.
 

Pausadamente, disse ser de um lugar distante, chamado Madagascar – o filme/desenho veio em minha cabeça prontamente, creio ter vindo na sua também – e disse também estar no Brasil há poucos meses. Falou ser bacharel em direito e estar morando no Rio de Janeiro pra estudar – mestrado, pelo que entendi – na UFRJ. Comentou sobre ter vindo a São Paulo para um evento acadêmico e ter perdido – creio que – uma de suas mochilas e, com isso, estar sem dinheiro para voltar ao Rio. Mas não me pediu uma passagem, como fazem alguns espertos com conversas parecidas, falou apenas sobre precisar tomar um banho e, para isso, precisava conseguir vinte reais.

O relato transcrito no parágrafo anterior é apenas um trecho da conversa, pois não quero aborrecer o nobre leitor e nem muito menos ir além do fato que aqui interessa: ele precisava de vinte reais para tomar banho, era bom de papo, parecia falar a verdade e, além de tudo, me ajudou a praticar o inglês. Sem falar ser ele de Madagascar. Nunca havia conversado com alguém de lá.

Resolvi dar os vinte reais.

E ele agradeceu com um sorriso tão verdadeiro como quanto parecia verdadeira sua história.

Ao final, falei "good luck!" e ele ainda corrigiu minha pronúncia, dizendo "já que me ajudou, vou te ajudar no inglês". Fomos um pra cada lado. Ele, provavelmente, tomar seu banho e eu trabalhar. Saí satisfeito por ter ajudado alguém e por ter conhecido uma pessoa de tão longe, que, como todos que vêm ao Brasil, seja para morar ou visitar, precisa ser bem tratada para levar ao mundo uma impressão de hospitalidade dos brasileiros.

Duas semanas depois…

Estou na Estação Trianon-Masp do Metrô e adivinhem: o cara.

Veio em minha direção e me abordou da mesma forma. Com a mesma conversa. Num primeiro momento fiquei transtornado mas, logo, dei a ele um sorriso e soltei "cara, olha só, você já veio com essa conversa há alguns dias" e ele, já num português bem melhor, e também um pouco transtornado, "ah, claro, lembrei de você e vim te dar um oi" e sumiu na multidão.

No dia do primeiro encontro, paguei para ver a verdade da história. Ontem, percebi ser ele mais um dos inúmeros espertalhões que vagam pelas grandes e médias cidades brasileiras, contando suas histórias tristes e/ou fantásticas. Ele jamais imaginaria encontrar novamente uma de suas "vítimas" numa cidade tão grande e, talvez por isso, se foi com a sensação de que ali não seria um bom lugar para aplicar seu golpe.

Eu fiquei a pensar sobre o fato e a analisar o quanto tal acontecido poderia frustrar minha credibilidade em pessoas. Mas fiz o seguinte: resolvi transformar tudo em duas crônicas. Uma, a do cara de Madagascar. Outra, a da abordagem no Metrô. E fingir que foram feitas por duas pessoas diferentes. Assim, aprendo a tomar mais cuidado com meu dia-a-dia e, ao mesmo tempo, continuo achando que tenho um amigo lá da terra dos desenhos animados.

E desse jeito não me frustro. E sigo a vida feliz.

 


 

* Luiz Henrique Dias é escritor, dramaturgo e analista do dia-a-dia. Ele lança agora em outubro seu novo livro "O Amor Remove Caninos". Leia mais em luizhenriquedias.com.br ou siga ele no twitter: @LuizHDias

 

 

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