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Sonho de Silvana

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Silvana fechou a porta do quarto, deitou-se no chão e chorou a noite toda.

Seu quarto era uma mistura de cores e também de personalidades. Seus quinze anos apareciam rosa na parede ao lado. Seus trinta, na foto da moto, do outro lado.

Seus setenta, na frente, fixavam-se num quadro de tinta sobre tela.

Seus cem anos, na parede de trás, onde também havia uma janela branca, exteriorizavam-se em retratos em preto e branco com o marido e os filhos. Sua vida toda estava ali, resumida, nua, ora colorida,ora tosca.

Durante o dia os raios de sol tangenciavam quase todas as paredes, menos a que tinha as mais antigas lembranças.Mesmo assim, todas exibiam uma magia sem igual, como se fossem o aglutinar do espaço-tempo temperados com sorrisos, lágrimas e saudades.

A solidão era crônica e reagudizava-se a cada tentativa de dormir. O sono tinha-se tornado um bóson de Higgs, instável e fugaz,
outras vezes, o próprio buraco negro onde as lembranças desapareciam:-Velhice é uma merda, pensava.

Ainda que sua vida se tivesse tornado história nos livros ginasiais, não sentia que tinha importância alguma. Não sem seus entes queridos.-Ah, por que só eu fiquei? Por que tanta dor? Antes que terminasse de se perguntar respondia pronta: – Mas que sorte a minha vivi tanto e tão feliz…

Doze horas se passaram e Silvana não sabia se estava dormindo ou acordada. Os raios de sol deram lugar a uma chuva torrencial e o vento uivava levando folhas que batiam no vidro da janela, aparentando querer entrar e levar também aquele corpo débil. A velha senhora olhava a cena com a cabeça para um lado e o corpo para o outro, roupas retraídas, cabelos enovelados, deixando claro que a noite fora de inquietos mexe-mexes de um pesadelo ou de um delicioso sonho de menina no parque. Ela não se lembrava. Meio-dia e era hora de tomar seus remédios, mas quais, quantos? Talvez estivesse desidratada. A sua seca e os olhos fundos denunciavam que o fim poderia estar próximo. Súbito percebeu que a chuva cessara e o sol voltara a brilhar. Não tinha, entretanto, forças para levantar, abrir a janela e sentir o frescor daquele início de primavera.

Fechou novamente os olhos e aí foi que viu uma imensa janela branca abrindo-se suave, esplendorosa, convidando-a a ser o sol que tangenciava as paredes. Todas elas.

 


 

 Omar Ellakkis, Médico formado pela UEL, especialista em Diagnóstico por Imagem. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia. Pós graduado em Gestão de Negócios pela FGV. Poeta desde a primeira respirada…e até a última. Autor de Labirinto (Poesia), Editora Scortecci, 2010. Membro da Academia de Letras de Foz do Iguaçu. Escreve poemas,contos e crônicas.

 

 

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