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Clickfoz entrevista especialistas em Transporte Urbano

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Foz do Iguaçu está prestes a passar por uma licitação histórica e que pode mudar totalmente o Transporte Coletivo Urbano.  Na série especial você compreendeu por que o Ministério Público do estado do Paraná determinou que se realizasse uma licitação; acompanhou as etapas do certame; e entendeu por qual motivo o cartão Único amarrou as empresas que atuam no transporte de passageiros. 

Na quinta matéria especial, o portal de notícias Clickfoz ouviu especialistas no assunto para buscar esclarecer por qual razão o Transporte Urbano de passageiros em Foz do Iguaçu é deficitário e o que deve mudar com a nova licitação.

Quem são eles?

 

João Carlos Cascaes – ex-presidente da Companhia de Energia Elétrica do Paraná (Copel) e da Urbanização Curitiba S/A (URBS) – empresa responsável pela regulamentação e fiscalização do transporte coletivo na capital. É um dos maiores especialistas do Brasil em mobilidade urbana sustentável, direitos de pessoas com deficiência e questões energéticas.
 

Roberto Ghidini – engenheiro de infraestrutura rodoviária e empresário da construção civil, Roberto Ghidini trabalhou na Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC). Atualmente, o também especialista em mobilidade urbana, reside em Madrid, na Espanha, onde está terminando um doutorado sobre o tema. 
 

André Caon Lima – engenheiro mecânico, André Caon é o presidente da ONG curitibana Sociedad Peatonal e coordenador do Fórum da Mobilidade Urbana Sustentável (Fomus). Militante, Caon é um dos responsáveis pela união de diferentes frentes de luta pela mobilidade urbana. 

 

1 – Em Foz do Iguaçu, do ano 2000 para cá, houve uma redução de 50% no número de passageiros do Transporte Público. Isso se deve ao aumento da frota de veículos na cidade ou a queda na qualidade do transporte?

 

João Carlos Cascaes: Todas as hipóteses podem estar corretas. Seria fundamental uma boa pesquisa. 

Roberto Ghidini: Eu creio que as duas coisas atuam juntas. Se a qualidade do serviço cai, o usuário busca outro meio e as facilidades dadas para adquirir veículos foram potenciadas. Assim juntou a fome com a vontade de comer.

André Caon Lima: A resposta já está na pergunta. De fato as políticas públicas empurram o cidadão para dentro do carro. Quem opta pelo transporte coletivo, especialmente o ônibus, age em detrimento de si mesmo, pois perde em: segurança (os ônibus normalmente estão superlotados no horário de pico e já houve inclusive óbitos em Curitiba); conforto (os ônibus não possuem ar condicionado, como os veículos particulares); agilidade (é preciso encontrar um ponto próximo para embarque, é preciso esperar o ônibus passar, achar um ponto próximo para desembarque); custo (os automóveis estão muito baratos, seus custos de produção e utilização não levam em consideração os passivos ambientais e sociais gerados por este modal). Por outro lado, as passagens de ônibus são muito caras. Para se ter uma idéia, a despeito da economia de escala no transporte coletivo, nos deslocamentos urbanos de aproximadamente 7 km é mais barato ir de carro – considerando inclusive o custo de aquisição.

 

2 – No mês de abril, em Foz, deve ser lançado o edital para exploração do Transporte Público. Em que itens a população e principalmente os vereadores devem ficar atentos?

 

João Carlos Cascaes: Começa mal com a palavra “exploração”. O Transporte Coletivo Urbano deve ser visto como atividade que deve oferecer rentabilidade justa, afinal, ninguém quer trabalhar no prejuízo, mas deve ser entendido como algo a ser feito em parceria com o poder público, pois depende de subsídios para ser de boa qualidade e acessível, até em países ricos. Muita atenção para os padrões técnicos a serem exigidos para os veículos, a supervisão, rastreamento dos ônibus, terminais (segurança, conforto, funcionalidade), segurança dos passageiros onde as coisas começam nas calçadas, iluminação pública, policiamento e terminam dentro dos carros coletivos. Por fim, muita engenharia, arquitetura, design, layout, urbanismo, política de subsídios.

Roberto Ghidini: Creio que na modalidade (concessão e permissão) no período do contrato e nos critérios técnicos e de preço que são exigidos aos licitantes para a pontuação.

 

3 – Em Foz, o custo da passagem é de R$ 2,20. Porque o custo da passagem público é tão cara? Os donos das empresas justificam que, se não fossem as gratuidades, a passagem seria de no máximo R$ 1,50. Isso é verdade?

 

João Carlos Cascaes: O conceito "ser caro" depende da qualidade oferecida. A avaliação do custo depende de análise matemática, meticulosa e permanente por diversas entidades. Um serviço que movimenta tanto dinheiro com facilidade consegue cooptar aliados.

Roberto Ghidini: A gratuidade em Curitiba chega perto dos 20% e o problema é que o rateio deste valor é repassado aos pagantes. As gratuidades deveriam ser de responsabilidade de cada um dos segmentos beneficiados (carteiros, o correio deveria apagar, militares o exército) assim não haveria a transferência deste ônus ao usuário.

 

4 – Em Foz do Iguaçu, a maioria dos usuários do Transporte Público é estudantes de baixa renda e trabalhadores informais. O Transporte Público é ruim porque é utilizado, muitas vezes, por pessoas das classes baixas? Se a classe média utilizasse o Transporte Urbano todos os dias, ele seria melhor?

 

João Carlos Cascaes: Com absoluta certeza.

Roberto Ghidini: Sem dúvida, todo e qualquer serviço tem como qualidade a exigência de seus usuários, assim se melhorarmos o nível sócio-econômico dos usuários, estaremos aumentando o nível de exigência que, uma vez satisfeito, será motor de mais usuários e a bola de neve vai crescendo assim.

André Caon Lima: Há uma parcela de razão na alegação deles. Atualmente, quem financia totalmente o transporte coletivo é o usuário de ônibus. Entendemos que isso não é justo, pois o usuário de ônibus é um prestador de serviços ambientais sob vários aspectos: ele emite menos GEE´s (gases efeito estufa), ele ocupa pouco espaço urbano em relação ao automóvel, ele desafoga o trânsito, dando mais conforto para o usuário de automóveis etc. Apesar disso, conforme resposta da pergunta 1, mesmo sendo de graça, muitos (a classe média) não abririam mão do transporte por automóvel, o que nos leva a concluir que mesmo de graça o ônibus seria caro.

 

5 – Qual é a opinião de vocês sobre o transporte 100% público. Ou seja, aquele totalmente financiado pelo estado, em que não existe a exploração de empresas privadas?

 

João Carlos Cascaes: O financiamento total existe em grandes sistemas (metrôs, por exemplo). O drama é a administração pública, entupida de leis pouco inteligentes e gente muito esperta. O ideal é termos investimentos públicos e operação privada com fiscalização e contratos severos. O BNDES costuma financiar com dinheiro público condições paternais aos "empresários" do transporte coletivo urbano.

Roberto Ghidini: Eu sou totalmente a favor desta hipótese. Moro em Madrid, na Espanha, onde o modelo é exatamente este. O transporte é um dos serviços básicos essenciais e deve ser assim, ser dever do estado, como saúde e educação. Sendo público, os subsídios tão necessários para promover as melhorias e facilitar o seu uso em favor ao veículo privado são extremamente facilitados e não fica aquela situação do estado ajudar a uma empresa ou consórcio privado, que muitas vezes, gera desconfiança e quase sempre com razão.

 

6 – O que a população deve cobrar na questão do Transporte Público (ar condicionado, sistema antilotação, câmeras de segurança, pista exclusiva para ônibus)?

 

João Carlos Cascaes: O ônibus pode ter um padrão excelente e no Brasil a Volvo, por exemplo, fabrica e exporta chassis de ótimo padrão (exportou mais de mil para Santiago) assim como a Marcopolo está habituada a exportar o ônibus encaroçado. A segurança e o conforto do passageiro dependem principalmente da lotação máxima do veículo (existem até dissertações de mestrado sobre isso); baixo nível de ruído e poluentes dentro e fora do ônibus; controle de aceleração e frenagem; suspensão inteligente; bancos anatômicos; apoio para os braços; barramentos para o passageiro em pé por se segurar; piso rebaixado (fundamental com possibilidade de ajoelhamento pneumático); piso não escorregadio; espaço e detalhes de segurança para cadeirantes etc. Por isso é fundamental o pagamento por Km, pois o empresário deve se desligar da rentabilidade do sistema e cuidar de suas equipes de mecânicos, motoristas, cobradores, garagistas etc. Obviamente pista dedicada ao transporte coletivo urbano, "onda verde", operação "on-line", vigilância eletrônica, apoio do policiamento e bons padrões de iluminação de pista, pavimentação etc. são partes importantes. 

Roberto Ghidini: A cobrança da população, penso que deva ser de acordo com critérios que vão a um primeiro momento a itens de freqüência (menor que 10 minutos – ideal), lotação (máximo de 4 pessoas por metro quadrado).

André Caon Lima: No caso do Transporte Coletivo, isso tudo e preço justo. 

 

7 – A redução da tarifa é possível, como?

 

João Carlos Cascaes: Com subsídios se não quisermos degradar o sistema mais a moralidade e a honestidade para não desperdiçarmos o dinheiro do contribuinte e o do usuário do sistema.

Roberto Ghidini: Com desoneração tributária, com subsídios, com tributação sobre combustíveis da linha leve (álcool e gasolina) com mercado do carbono, enfim existem várias formas e fontes de financiamento ao transporte público que podem fazer possível a redução da tarifa ao usuário.

André Caon Lima: Sim, elaboramos um documento e protocolamos junto aos poderes públicos municipais e estaduais em jan/2009 (vereadores, deputados, prefeito, governador etc.). O estudo propõe um plano de subsídio gradual a ser implantado sobre a passagem, com recursos provenientes de combustíveis da linha leve, criando-se assim um duplo vetor de redução dos passivos sócio-ambientais: o incentivo ao uso do ônibus e a taxação sobre veículos da linha leve. Ninguém nos respondeu. O que poderia ser acrescentado a este documento seria a questão do pré-sal e seu viés ambiental. Existe grande preocupação com os passivos ambientais que serão gerados pelo uso deste petróleo que ainda será extraído. Já houve quem propusesse inclusive um absurdamente caro processo de injeção do CO2 equivalente a exploração no próprio bolsão do petróleo a ser extraído. Uma solução muito mais simples para isso seria aplicar o petróleo e royalties diretamente no transporte coletivo ou, em caráter mais amplo, na mobilidade urbana sustentável. A geração de créditos de carbono seria muito mais barata e eficiente.

 

8 – Qual é a opinião de vocês sobre a gratuidade?

 

João Carlos Cascaes: Justa para quem não tem opção.

Roberto Ghidini: A Sociedad Peatonal e o MPL (Movimento do Passe Livre) têm projetos comuns sobre esse tema. Somos totalmente a favor a um transporte público e gratuito a todos.

André Caon Lima: Gradualmente o ideal é chegarmos à condição do passe livre geral irrestrito.

 

9 – Qual é a importância do Transporte Público

 

João Carlos Cascaes: Fundamental à qualidade de vida, principalmente no século 21 quando tanto se fala em sustentabilidade e racionalização das cidades. O ideal, contudo, são as opções boas de mobilidade (ciclovias, calçadas seguras, cidade segura) e estratégias de descentralização de atividades, teletrabalho, EAD, distribuição de horários e tudo o que dispensar o deslocamento evitável.

Roberto Ghidini: O Transporte Público tem a mesmíssima importância que saúde, educação, trabalho, moradia, segurança pública e assim sendo deve ser pauta básica de todas as administrações e em todos os níveis administrativos.

André Caon Lima: O transporte COLETIVO deve ser visto dentro de um conceito mais amplo que seria a MOBILIDADE URBANA. A mobilidade urbana é, atualmente, uma questão muito delicada dentro do urbanismo. O deslocamento das massas dentro das cidades requer muita energia e gera muitos resíduos e passivos ambientais, além de requerer muito espaço urbano e infraestrutura cara. Enfim, a MOBILIDADE URBANA deve ser enfocada de maneira diferente, incluindo seus diversos modais, harmonizando-os e acima de tudo buscando SUSTENTABILIDADE, pois as cidades, numa estatística de base territorial, são as grandes poluidoras e consumidoras de energia, sendo a MOBILIDADE URBANA um dos grandes responsáveis por estes passivos. Racionalidade nos deslocamentos, um urbanismo adequado e progressos nas telecomunicações, além da conscientização do cidadão, que deve se tornar mais íntimo de seu território e sua vizinhança. É dentro desta realidade que os administradores públicos e os habitantes da metrópole devem enxergar a importância do transporte coletivo. Gostaria de concluir afirmando que as atuais políticas equivocadas de mobilidade urbana possuem implicações geopolíticas importantes e têm levado países inteiros ao caos.

 

 

 

Acompanhe a série especial

 

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